Recentemente, a Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Lei n° 03/24, que traz inovações à Lei de Falências e Recuperação Judicial (Lei nº 11.101/05), com o enfoque de tornar os processos falimentares mais ágeis e mais resolutivos aos interesses dos credores.
Como não poderia deixar de ser, em se tratando de alteração legislativa, antes do texto do PL n° 03/24 seguir para a análise do Senado, foram travadas várias discussões acerca da viabilidade das mudanças na legislação. Vislumbra-se a existência de falhas no Projeto, que podem acarretar insegurança jurídica.
Um dos pontos de maior preocupação da comunidade jurídica é a introdução da figura do gestor fiduciário, que substituiria o administrador judicial, e poderia ser nomeado pelo credor principal. Sob a ótica dos credores, esse cenário certamente poderá gerar conflito de interesses. Além disso, fará com que o credor principal assuma, indiretamente, o controle do processo.
É certo que, se o PL n° 03/24 for aprovado com o texto atual, alterações consideráveis no processo falimentar atingirão a área empresarial, estando o Portugal Vilela atento aos passos do texto legal e do trâmite legislativo.
O Gestor Fiduciário
Sem adentrarmos a seara da utilização ou não, da melhor técnica da redação do texto do PL n° 03/24, cabe observar que, por enquanto, não há um conceito definido da figura do gestor fiduciário e de qual seria a finalidade da sua instituição. O legislador se limita a mencionar que o regramento acerca da figura do administrador judicial se aplica ao gestor fiduciário.
Outro ponto delicado é a eleição do gestor fiduciário pela Assembleia Geral de Credores (AGC), caso se entenda necessário. Por óbvio, a escolha deve observar a proporcionalidade dos créditos e classes. Contudo, certamente ocorrerá o direcionamento desta escolha para o interesse específico dos credores majoritários, colidindo com normas processuais e interesse das demais partes do processo, violando-se a regra da igualdade entre credores.
Quanto à remuneração do gestor fiduciário, nos termos do Projeto, não há qualquer teto previsto, senão aquele escolhido pela própria AGC. Noutras palavras, o gestor disporá de certa liberdade, mediante a aprovação da AGC, para que seja remunerado “de acordo com os valores praticados no mercado para o desempenho de atividades semelhantes” (art. 35 do PL n° 03/24). Como consequência prática, poderá ocorrer diminuição dos valores sujeitos ao rateio no concurso de credores concursais, prejudicando a ordem de pagamento.
No tocante ao plano de falência, o Projeto determina que será o administrador judicial – nomeado provisoriamente – o responsável por sua elaboração e apresentação, enquanto o gestor fiduciário terá incumbência de conduzi-lo. Tal mudança poderá acarretar desestímulo à atuação dos administradores judiciais, que terão a atuação limitada, com implicações diretas no fornecimento de informações referentes à arrecadação.
Votação do PL em Regime de Urgência Constitucional
O prazo excepcional de 45 dias para a apreciação de um Projeto de Lei em regime de urgência constitucional – que já é exíguo – não está sendo respeitado, o que atrai inclusive questionamentos acerca da constitucionalidade do PL n° 03/24.
A comunidade jurídica tem reforçado os pedidos para que as discussões sejam ampliadas, possibilitando maior interação entre todas as figuras envolvidas no processo falimentar, e, consequentemente, seja facilitada a adaptação das novas regras a processos futuros e em andamento.
Dados recentes, obtidos por meio do cruzamento de informações do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) com o site do TJMG, permitem constatar que apenas no Estado de Minas Gerais, o déficit de profissionais qualificados como Administradores Judiciais pode aumentar para 432%, tendo em vista as limitações previstas no texto legal, como impossibilidade de cumulação do encargo e mandato por prazo determinado. Tal cenário está sendo ignorado pelo legislador, que, ao invés de atacar os problemas já existentes, pretende ampliar os efeitos do PL n° 03/24 para as recuperações judiciais.
Entende-se que os temores daqueles que estão no front das batalhas falimentares devem ser devidamente analisados, sob risco de retrocesso inimaginável no processo de insolvência brasileiro.
O Portugal Vilela – Direito de Negócios possui equipe especializada em Contencioso Complexo, que acompanha o deslinde legislativo da temática bem como os debates sobre os impactos do PL, e está à disposição para assessoria jurídica sobre o tema.