A Legitimidade da Segregação das Atividades Econômicas

Na prestação de serviços de consultoria tributária, é comum que, visando garantir maior eficiência, qualidade e otimização dos custos de natureza tributária, sejamos indagados acerca da legitimidade da segregação das atividades econômicas no planejamento tributário. Ou seja, a reestruturação negocial baseada no fracionamento de certas atividades desempenhadas por meio da cisão das entidades operacionais então existentes.

Cabe inicialmente pontuar, que o ordenamento jurídico brasileiro confere ao particular um núcleo de direitos que lhe assegura organizar-se economicamente livre de intervenções. 

A liberdade ao livre exercício de atividades econômicas e a livre iniciativa estão expressamente asseguradas no texto da Constituição Federal de 19881 em seus artigos 1º e 170º.

Neste contexto, a atuação do Estado na economia deve ocorrer de forma restrita, com o fim de concretizar os objetivos traçados na própria Constituição Federal.

A segregação das atividades econômicas e a legislação

A segregação das atividades econômicas e a legislação

Sobre o assunto, são relevantes os ensinamentos presentes no voto do Ministro Eros Grau, relator na ADI n.º 1.950, em que sustentou a seguinte posição:

A intervenção do Estado consiste, portanto, em todo ato ou medida legalmente instituídos que restringem, condicionam ou suprimem a iniciativa privada em dada área econômica. Fazendo-o em benefício do desenvolvimento nacional e da justiça social, assegurados os direitos e garantias individuais. 

Dessa forma, ao mesmo tempo em que a Constituição Federal garante aos particulares/contribuintes a existência desse âmbito de liberdade, outorga ao Poder Legislativo a competência para regular e interferir em seu exercício, seja para estabelecer a cobrança de tributos, seja para limitar planejamentos tributários.

“É certo que a ordem econômica na Constituição de 1.988 define opção por um sistema no qual joga um papel primordial a livre iniciativa. Essa circunstância não legitima, no entanto, a assertiva de que o Estado só intervirá na economia em situações excepcionais. Mais do que simples instrumento de governo, a nossa Constituição enuncia diretrizes, programas e fins a serem realizados pelo Estado e pela sociedade. Postula um plano de ação global normativo para o Estado e para a sociedade, informado pelos preceitos veiculados pelos seus artigos 1º, 3º e 170.”

Portanto, quando houver clara decisão do legislador brasileiro, compete à administração fiscal o papel de atribuir eficácia à intervenção estatal sobre as liberdades econômicas dos particulares, especialmente sobre o seu patrimônio.

Assim, apura-se a legitimidade da segregação de atividades econômicas em ato de planejamento tributário que acarreta economia fiscal com norte em duas premissas fundamentais. São elas: A uma, as liberdades econômicas potencialmente restringidas pela vedação às referidas reestruturações societárias. A duas, a existência de decisão clara do legislador para a restrição das referidas liberdades econômicas por meio da tributação.

Critérios utilizados para planejamento tributário com segregação de atividades

Critérios utilizados para planejamento tributário com segregação de atividades

Ademais, Marco Aurélio Greco2, nesta linha, expõe que a regularidade do planejamento tributário, deve ser reconhecido se os atos promovidos em sua concepção foram baseados em três critérios aderentes ao princípio da estrita legalidade. 

O primeiro critério é de caráter cronológico, em que o ato do contribuinte que implica a redução da carga tributária ocorre antes do fato gerador, impedindo, assim, nascer a obrigação tributária. O segundo critério, o da licitude, estabelece que o ato jurídico do contribuinte planejar a redução da carga tributária deve se enquadrar e resultar em atos lícitos. 

Porém, o autor ainda ressalta que estes dois critérios continham implícitos o requisito de que os atos, além de lícitos e anteriores ao fato gerador, não poderiam resultar em uma simulação. (GRECO, 2011, p. 23).

O critério da simulação, por sua vez, é caracterizado pelo intencional desacordo entre a vontade interna e a declarada, ao criar, aparentemente, um ato jurídico, que, de fato, não existe. Ou então oculta, sob determinada aparência, o ato que realmente se pretende materializar, daí o motivo de o artigo 167 do Código Civil3 dispor que o negócio jurídico simulado será nulo.

Nessa linha, destaca-se os principais elementos considerados pelo ente tributante para entender configurada a simulação em reorganização societária com segregação de atividades econômicas:

  • funcionamento no mesmo endereço;
  • exercício da mesma atividade;
  • uso da mesma marca comercial;
  • mesma direção;
  • sócios majoritários comuns, ainda que indiretamente;
  • identidade de clientes;
  • divisão dos mesmos funcionários nos cargos de gerência;
  • divisão dos mesmos funcionários nos cargos de coordenação; e
  • mesmo contador e mesma contabilidade.

Diante desses elementos, é notório a interface entre as empresas (especialmente o funcionamento no mesmo endereço, identidade de clientes, compartilhamento de estrutura operacional/administrativa/contábil). Uma eventual fiscalização imputará à empresa original a simulação com o dolo específico voltada para a evasão de tributos federais.

A livre iniciativa e a Segregação das Atividades Econômicas

A livre iniciativa e a Segregação das Atividades Econômicas

A legitimidade da segregação de atividades econômicas fica condicionada à existência de elementos concretos. Estes devem ser providos de propósito negocial, que atestam de forma contundente a independência de cada uma das pessoas jurídicas.

Presentes os elementos comprobatórios nas estruturas criadas e remanescentes, não se admite que pessoas jurídicas, formal e materialmente segregadas, seja qual for o fundamento, sejam fraudulentas por apenas terem optado por apartar suas atividades produtivas em uma ou mais pessoas jurídicas. 

Se, de fato, as pessoas jurídicas gozam de plena existência autônoma, não há motivos para censura da autoridade fiscal. O contribuinte tem o direito de estruturar e reestruturar a exploração do seu capital da forma mais eficiente, inclusive sob a perspectiva fiscal. Não há lei ou regra jurídica que o obrigue a concentrar, em uma única pessoa jurídica, todo o seu patrimônio ou energia.

Não há permissão para que a administração fiscal atue como se possuísse ingerência na condução das atividades econômicas empreendidas para fins tributários. Ou seja, não é possível substituir as decisões do indivíduo por outras que lhe pareçam arbitrariamente mais adequadas, com discricionário incremento do ônus tributário.

Ao contrário, o inciso VII, do artigo 4º da Lei n.º 13.874/20194, denominada de “Lei da Liberdade Econômica”, impõe à administração pública que se abstenha de restringir a livre iniciativa dos particulares. 

Isso posto, é fundamental que a segregação de atividades econômicas como ato decorrente de reestruturação societária planejada e organizada esteja devidamente justificada na busca por eficiência organizacional e operacional. Deve, também, comprovar por elementos críveis que atestem autonomia material, pois, desta forma, estarão pautados nos princípios constitucionais da livre iniciativa (inciso IV, do artigo 1º) e da liberdade econômica (parágrafo único do artigo 170).


Portugal Vilela – Direito de Negócios conta com uma equipe especialista em Direito Tributário, sempre à disposição para esclarecer as dúvidas da sua empresa e para eventual assessoria.

  1. Art.1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
    IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa.
    Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a 
    todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
    Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei. ↩︎
  2.  GRECO, Marco Aurélio. Planejamento Tributário. 3ª Edição. São Paulo: Dialética, 2011). ↩︎
  3. Art. 167. É nulo o negócio jurídico simulado, mas subsistirá o que se dissimulou, se válido for na substância e na forma.
    § 1º Haverá simulação nos negócios jurídicos quando:
    I – aparentarem conferir ou transmitir direitos a pessoas diversas daquelas às quais realmente se conferem, ou transmitem;
    II – contiverem declaração, confissão, condição ou cláusula não verdadeira;
    III – os instrumentos particulares forem antedatados, ou pós-datados. ↩︎
  4. Art. 4º É dever da administração pública e das demais entidades que se vinculam a esta Lei, no exercício de regulamentação de norma pública pertencente à legislação sobre a qual esta Lei versa, exceto se em estrito cumprimento a previsão explícita em lei, evitar o abuso do poder regulatório de maneira a, indevidamente:
    VII – introduzir limites à livre formação de sociedades empresariais ou de atividades econômicas. ↩︎

Autor(a):

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Thiago Eustáquio Carneiro Machado

Bacharel em Direito e em Ciências Contábeis pela Faculdade de Direito Milton Campos – FDMC, pós-graduado em Gestão em Negócios pelo IBMEC e em Direito Tributário pela Faculdade de Direito Milton Campos.

Autor(a):

  • Thiago Eustáquio Carneiro Machado

    Bacharel em Direito e em Ciências Contábeis pela Faculdade de Direito Milton Campos – FDMC, pós-graduado em Gestão em Negócios pelo IBMEC e em Direito Tributário pela Faculdade de Direito Milton Campos.

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