Quotas preferenciais como mecanismo de planejamento sucessório e societário

Quotas preferenciais como mecanismo de planejamento sucessório e societário

Na prática jurídica, é possível observar um aumento da preocupação dos brasileiros com medidas que visam a maximização de ativos e proteção patrimonial, voltadas à gestão de continuidade pelas novas gerações. É inegável que a correta administração e organização do patrimônio é fundamental na garantia de subsistência do negócio e dos ativos de determinado grupo familiar.

A despeito da importância do planejamento – em especial o patrimonial, societário e sucessório -, a mudança de comportamento de pessoas e empresas no sentido de priorizá-lo é recente. Não é uma tarefa fácil desconstruir a mentalidade de que as consequências da morte ou de um revés econômico serão tratadas apenas nos momentos em que estes vierem a ocorrer. Ordinariamente, as pessoas não tinham o costume de planejar o cenário enquanto há saúde – seja da pessoa, como do negócio.

Obviamente, nenhum planejamento é igual ao outro. Cada família ou sociedade empresária possui as particularidades que devem ser consideradas na adoção das estratégias voltadas ao objetivo que se busca atingir. A assessoria jurídica especializada a conduzi-lo é indispensável e cuidará de traçar o diagnóstico e implementar as medidas mais aderentes ao caso concreto.

São muitas as possibilidades que podem ser implementadas. Recentemente, ampliando o leque de opções, tem-se a possibilidade de emissão de quotas preferenciais em sociedades de responsabilidade limitada, tal como as ações preferenciais nas sociedades anônimas.

Juridicamente, já se vislumbrava essa possibilidade em razão de o art. 1.053, parágrafo único do Código Civil, autorizar a regência supletiva da sociedade pela Lei 6.404/76, que regula o funcionamento das sociedades por ações. Nesta esteira de ideias, já se entendia possível que o contrato social criasse uma ou mais classes de quotas preferenciais, de modo a conferir ou restringir parcela dos direitos sociais, por meio da aplicação por simetria do art. 15, §1º da citada lei. 

No entanto, imperava o entendimento de que a desigualdade dos direitos estabelecidos nas quotas preferenciais poderia ser somente de natureza quantitativa, e não qualitativa. Neste sentido, não se cogitava a instituição de quotas preferenciais para configurar direitos patrimoniais ou políticos de forma diferenciada.

Todavia, a instituição se mostra plenamente cabível pela leitura do art. 1.565, §2º do Código Civil – que garante autonomia ao casal para decidir a forma de planejamento familiar, sendo vedado a quaisquer instituições públicas ou privadas limitar este direito. Na mesma linha segue o art. 3º, inciso VIII da Lei 13.874/2019 – que confere a qualquer pessoa natural ou jurídica a garantia de que os negócios jurídicos empresariais paritários serão objeto de livre estipulação das partes pactuantes em toda matéria de ordem privada. 

Em harmonia com a evolução normativa, o Departamento Nacional de Registro Empresarial e Integração – DREI editou, em 10 de junho deste ano, a Instrução Normativa n. 81, em cujo conteúdo fez constar, de forma expressa e para fins de registro na Junta Comercial, a possibilidade de restrição de direitos patrimoniais ou políticos nos atos constitutivos das sociedades empresárias limitadas. 

A regulamentação consagrou a possibilidade, portanto, de conferência de direitos diferenciados pela instituição de quotas preferenciais. A estratégia para fins de planejamento sucessório e societário é extremamente vantajosa e revela um grande avanço para a atividade empresarial.

Partindo dessa premissa, os sócios podem, no legítimo exercício da autonomia privada, restringir o direito de voto ou direitos de outra natureza em troca de algum benefício, a exemplo de prioridade no recebimento de dividendos, no reembolso do capital – com ou sem prêmio – entre outros. 

Não bastasse isso, as quotas preferenciais podem se provar uma ferramenta útil no alinhamento de interesses de sócios existentes e novos investidores, o que facilita a captação de recursos, haja vista que o quotista preferencial poderá ter a garantia de remuneração prioritária, prevista no ato constitutivo, em relação ao quotista ordinário. Neste raciocínio, as quotas preferenciais podem ser grandes aliadas ao financiamento de startups no estágio de private equity ou venture capital, que podem receber os investidores atribuindo-lhes vantagens por meio das quotas preferenciais, garantindo-lhes maior segurança na aplicação de recursos em projetos que ainda estão em fase de crescimento.

A nova sistemática, assim, possibilita maior flexibilidade na estruturação de modelagens societárias, prática que deve ser estimulada por conferir maior segurança na organização do patrimônio, em substituição a impedimentos por razões burocráticas ou regulatórias.

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Amanda Batista Pedrosa

Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUC Minas.
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