A transmissão “causa mortis” dos bens digitais

A expansão do mundo tecnológico e da relevância dos bens digitais trouxeram novos questionamentos e possibilidades no que diz respeito à questão do direito sucessório. O que fazer com bens digitais adquiridos pelo de cujus, tais quais como moedas digitais? Os sucessores têm direito aos frutos de contas em redes sociais que possuem valor monetário? É possível que os herdeiros tenham acesso às senhas e contas do falecido?

A pertinência desses questionamentos se destacou por conta dos impactos da pandemia do Covid-19, que acentuou tanto o uso das tecnologias, quanto a preocupação da população a respeito da destinação de seu patrimônio após a sua ausência.

O que é a herança digital?

O que é a herança digital

Inicialmente, é importante ressaltar que a herança digital compreende elementos intangíveis, de conteúdo extrapatrimonial e bens incorpóreos com valor monetário, pertencentes ao de cujus e existentes em um espaço virtual. Conforme define Marco Aurélio Mendes Lima, a herança digital englobaria:

(…) Além de senhas, tudo o que é possível comprar pela internet ou guardar em um espaço virtual como músicas e fotos, por exemplo, passa a fazer parte do patrimônio das pessoas e, consequentemente, do chamado “acervo digital”. Os ativos digitais podem ser bens guardados tanto na máquina do próprio usuário quanto por meio da internet em servidores com este propósito, o chamado armazenamento em “nuvem”. (LIMA, 2016, grifo nosso).

Dessa forma, bens digitais podem ser moedas virtuais, biblioteca on-line, mensagens eletrônicas, blogs, bilhetes eletrônicos, aplicativos, jogos, lista de contatos, milhas aéreas, mídias em geral, como vídeos, músicas, livros, documentos, palestras, seminários e outros. 

Trata-se de uma questão extremamente atual que, no entanto, não está presente no ordenamento jurídico brasileiro, já que não existe nenhuma legislação vigente que aborde especificamente o assunto, sendo o tema sensível e que suscita a necessidade de inovação legislativa.

Importância da criação de uma legislação

Importância da criação de uma legislação

A importância da construção de legislação sobre o tema é ainda maior quando se considera que a problemática se estende para além da simples determinação de quem são os herdeiros de tais bens. 

O tema abrange questões mais complexas, uma vez que em razão da intangibilidade e a dificuldade de mensurar a dimensão, inclusive financeira, do conteúdo digital, é necessário avaliar algumas questões: até quando os bens poderão ser mantidos no domínio da internet? Os usuários poderão ter acesso às páginas do de cujus e aos seus dados lá cadastrados mesmo após a sua morte?

Também é essencial discutir sobre a possibilidade de acesso às redes, vídeos, fotos e documentos deixados pelo de cujus em seus arquivos pessoais, considerando tanto o contexto em que o ausente expressou a sua vontade, quanto o cenário em que o detentor dos bens não se manifestou. 

Nesse sentido, temos um conflito entre os interesses dos sucessores e a privacidade do ausente, pois ao permitir o acesso aos familiares, por exemplo, as redes sociais do falecido ab intestato, gera-se o risco de contrariar a vontade do de cujus, que não dispôs quanto ao direito de acesso aos seus bens digitais que, eventualmente, possam conter informações privadas.

A Constituição Federal, no art. 5º, inciso X, fala sobre a proteção da privacidade, prevendo que são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas. Assim, a questão se torna ainda mais complexa, pois os sucessores poderiam ter acesso a dados, conversas, fotos e outras informações do falecido sem que tivessem seu consentimento. 

Leis sobre bens digitais nos EUA

Leis sobre bens digitais nos EUA

Um exemplo de país que já caminha para a diminuição dos impactos negativos das questões supracitadas é os Estados Unidos, que já possui uma legislação apartada que aborda especificamente o tema, sendo a opção mais acertada para a integração do assunto dentro do ordenamento jurídico do país.

A lei estadunidense conhecida como RUFADAA – Revised Uniform Fiduciary Access to Digital Assets Act, foi desenvolvida com o objetivo de guiar os fiduciários para o gerenciamento dos bens digitais dos falecidos ou incapazes, conciliando a vontade dos sucessores e a intimidade do proprietário ausente.

Não resta dúvidas de que a herança digital é um assunto extremamente controverso, cuja análise e debate são iminentes frente a relevância da temática no atual contexto jurídico.

Portanto, o planejamento patrimonial e sucessório prévio é uma possibilidade para aqueles que desejam amenizar as dificuldades apresentadas pela falta de legislação sobre o tema. Dessa forma, o detentor dos bens terá a oportunidade de dispor sobre sua vontade em vida, deixando expresso o seu desejo a respeito da destinação de seu patrimônio, seja ele digital ou não.

 A equipe do Portugal Vilela – Direito de Negócios conta com especialistas em processos e bens digitais. Em caso de dúvidas, estamos à disposição.

Autor(a):

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Letícia Carvalho Franco

Bacharel em Direito e Especialista em Processo Civil e Métodos Alternativos de Resolução de Conflitos pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais e Pós-Graduanda em Mediação, Negociação e Resolução de Conflitos pela Universidade Católica Portuguesa do Porto.
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