A edição nº 693, do Informativo de Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, publicada em 26 de abril de 2021, trouxe um importante precedente no que diz respeito às obrigações acessórias das Sociedades Anônimas, em especial uma decisão sobre inadimplência na transferência de ações.
O Informativo teve como fundamento a decisão do Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, proferida no âmbito do Recurso Especial n. 1.645.757, que considerou ser indispensável a interpelação do devedor para fins de caracterização da mora, no contexto das Sociedades Anônimas de capital fechado nas quais não se tenha fixado o prazo para o ato de lavratura do termo no Livro de Transferência de Ações Nominativas.
A Lei 6.404/1976 (“LSA”) considera o supracitado ato como parte fundamental do processo de transferência de ações nominativas – mas é silente, por outro lado, quanto aos prazos para o cumprimento dessa obrigação. Neste sentido, o Informativo busca consolidar o entendimento a respeito do procedimento a ser adotado nos casos em que os atos constitutivos da Companhia e os Contratos de Compra e Venda de Ações são igualmente omissos em relação aos prazos para essa prática.
Detalhadamente:
As partes envolvidas em uma transação de compra e venda de ações normalmente celebram negócio jurídico para estabelecer as regras envolvidas. Ocorrendo o descumprimento de alguma das obrigações acordadas, o Código Civil garante à parte lesada o direito de resolver o contrato ou de exigir-lhe o cumprimento, assegurando-se, em qualquer dos casos, o direito à reparação por perdas e danos (art. 475).
Conforme citado anteriormente, a LSA, que regula o funcionamento das sociedades por ações, enuncia em seu art. 31, §1º, a respeito da forma de transferência das ações nominativas, que ocorre por meio da assinatura – pelo cedente e cessionário da participação acionária, ou por seus representantes legais – do Termo datado e lavrado no Livro de Transferência de Ações Nominativas.
Desta maneira, eventual atraso na assinatura do Termo no Livro de Transferência de Ações Nominativas, tanto pelo cedente, quanto pelo cessionário, pode ser entendido como inadimplemento. A controvérsia neste entendimento reside no fato de a LSA não trazer, de forma expressa, o momento em que a inércia na assinatura do Termo será interpretado como inadimplemento.
A LSA atribui à própria Companhia o dever de diligência para que os atos de transferências nos livros sociais sejam praticados no menor prazo possível, a qual fica responsável perante acionistas e terceiros pelos prejuízos decorrentes de atrasos culposos (art. 104, Parágrafo único).
Como se pode perceber, a aplicação do dispositivo acima é limitada. Além da já citada indefinição sobre prazos que possam caracterizar o inadimplemento, a responsabilização limita-se tão somente à reparação de prejuízos – sem contemplar o desfazimento do negócio. Somado a isso, a diligência em questão não pode ser praticada isoladamente pela Companhia – cujo comparecimento como interveniente/anuente no contrato de compra e venda de participação acionária não afasta a necessidade de assinatura do Termo pelo cedente e cessionário.
Da decisão:
Logo, inexistindo prazo específico no contrato de compra e venda de participação acionária ou na LSA, a regra a ser aplicada é a do Parágrafo único, art. 397 do Código Civil, o qual estabelece ser obrigatória a interpelação do devedor para fins de constituição da mora. Na visão do Superior Tribunal de Justiça, a interpelação é indispensável na ausência de prazo determinado, para oportunizar ao devedor a possibilidade de realizar a prestação.
Este precedente é importante para que as Companhias entendam a relevância da prática regular das obrigações acessórias, bem como do emprego de técnica contratual assertiva para a definição de prazos e obrigações, de modo a evitar prejuízos e contingências não-antecipadas.
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