Fusões e Aquisições: as cláusulas de Sandbagging no Direito Brasileiro

fusões e aquisições

Apesar de as Fusões e Aquisições (M&A) serem úteis tanto para satisfazer necessidades financeiras, como para atingir estratégias de crescimento e gerarem, muitas vezes, resultados significativos, faz-se necessário apurar os riscos dos danos inerentes a tais operações. O desalinhamento de informações, a incompatibilidade entre culturas empresariais e muitos entre outros fatores podem ser os vetores para que algo promissor se transforme em prejuízos¹.

Para evitar que isso se materialize, recomenda-se que a inclusão de cláusulas no contrato de M&A que, diante de quebra de declaração e garantia, afastem ou limitem a responsabilidade do vendedor em relação à inveracidade da informação prestada, e que assegure alternativas ao comprador diante desse cenário². As contingências podem ser endereçadas por meio de indenização, reembolso, direito de desfazimento do negócio diante de efeito material adverso, resolução contratual em face de inadimplemento, entre outras³.

A Cláusula de Indenização

A possibilidade de prejuízo é o principal motivo pelo qual a Cláusula de Indenização é uma das mais discutidas pelas partes envolvidas em um contrato de M&A – seja ele um contrato de compra e venda de participação societária, de opção, ou de investimento.

A negociação e interpretação dessa cláusula deve ser conjunta com as cláusulas de preço de aquisição e de declarações e garantias, pois delimitam a extensão dos atos praticados pelo vendedor, o marco temporal de postulação de reparação pelo comprador e as excludentes desta obrigação4

A Cláusula Sandbagging

Uma das cláusulas que buscam resguardar o comprador é a Sandbagging, que estabelece que o conhecimento que esse tenha ou poderia ter adquirido, em momento anterior ao fechamento do negócio, sobre alguma declaração ou garantia inverídica prestada pelo vendedor, não prejudica o seu direito de exigir indenização.

É a prerrogativa de prosseguir com a execução do negócio, ciente da falsidade ou em dúvida quanto à veracidade da declaração prestada pelo alienante, conservando-se a possibilidade de postular perdas e danos¹.

A cláusula Sandbagging pode funcionar como mecanismo de proteção do comprador contra situações imprevistas, ocorridas entre a assinatura e o fechamento da operação. Além disso, a cláusula proporciona forte incentivo para que o vendedor preste de forma completa as declarações sobre a companhia e seus atos, reduzindo as chances de disputas posteriores ao fechamento sobre questões que se sujeitem ao conhecimento das partes sobre determinado fato5.

A Cláusula Anti-sandbagging

Sob a ótica oposta, o contrato pode afastar ou limitar a responsabilidade do vendedor, por meio da inclusão da cláusula Anti-sandbagging. Neste caso, o comprador expressamente renuncia ou concorda com a restrição de seu direito de postular indenização, em razão de ter conhecimento da inveracidade ou insuficiência de determinada declaração e garantia antes da data de assinatura do contrato ou do fechamento da operação.

Certo que a cláusula Anti-sandbagging pode ser balizada por qualificadoras materiais, de conhecimento ou temporais, bem como pela limitação de valor máximo de indenização (teto). De toda forma, o vendedor poderia argumentar em favor da inserção desse dispositivo para transferir o ônus da diligência ao comprador, sem instituir a obrigação recíproca de revelação dos dados sensíveis por esse, mas incentivando-o a levantar os problemas e possibilitar a oportunidade de sanar eventuais irregularidades.

Análise das duas cláusulas

A natureza das dessas duas referidas cláusulas leva à uma discussão aparente: ao mesmo tempo em que seria injusto que o vendedor, porque já responderia em todo o caso pelas contingências, usasse a cláusula de Sandbagging como passe livre para ocultar a existência delas antes de assinar o contrato, não seria leal o comportamento do comprador cobrar por contingências que já conhece³.

Há de se destacar, entretanto, que o próprio artigo 421-A do Código Civil disciplina a paridade e simetria dos contratos civis e empresariais, garantindo às partes o direito de estabelecerem parâmetros objetivos para a interpretação das cláusulas negociais e de seus pressupostos de revisão ou de resolução e de alocarem riscos da forma como entenderem.

Nesse contexto e, em especial, por se tratar da alocação de riscos decorrentes de direitos patrimoniais disponíveis, deve ser interpretado que a inclusão das cláusulas sandbagging e anti-sandbagging no contrato de M&A é o reflexo da autonomia da vontade das partes, que participaram da formação do negócio jurídico o qual, por esse motivo, rege-se como lei entre elas.

Apesar de o artigo 421-A do diploma civil também consagrar o princípio da intervenção mínima e da revisão excepcional dos contratos, não se pode esquecer que as cláusulas em questão também possuem restrições. Merece destaque o dever de boa-fé objetiva, que se trata de uma postura colaborativa das partes para o perfeito cumprimento do contrato.

Legalidade das duas cláusulas

Se um conflito embasado em cláusulas Sandbagging ou Anti-sandbagging for objeto de discussão no judiciário ou câmara arbitral, o julgador deverá, portanto, apurar as situações de fato para entender, no primeiro caso, se houve intenção dolosa do comprador em se aproveitar de declaração falsa para, posteriormente, buscar uma indenização e, no segundo, se a documentação foi suficiente para mensurar o risco de surgimento de contingências e para precificar o contrato de forma satisfatória. A jurisprudência pátria, contudo, ainda não possui precedentes formais que validem ou invalidem a inclusão dessas cláusulas nos contratos de M&A.

Por inexistência de vedação legal, entende-se pela aplicabilidade das cláusulas Sandbagging ou Anti-sandbagging aos contratos de M&A, cujo conteúdo e alocação dos riscos dependerão da extensão da cláusula, da sua redação e exceções, configurando-se como interesse das partes a decisão de como moldar e precificar o negócio jurídico.

Interessa apenas às partes a discussão acerca de eventuais contingências, previamente à assinatura do instrumento, para imputá-los em uma redução de preço, ou a preferência por dispensar tais discussões e evitar o comprometimento da conclusão do negócio, guardando eventuais compensações para momento posterior³.
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Referências:

¹ FERRAZ, Adriano Augusto Teixeira; MOREIRA, Cláusulas limitativas à obrigação de indenizar em operações de M&A. In: Direito Societário e Mercado de Capitais. GONTIJO, Bruno Miranda; VERSIANI, Fernanda Valle [Coords.] CRUZ, João Vitor O. da Costa; PENNA, Thomaz Murta e [Orgs.]. Belo Horizonte/MG: Editora D’Plácido, 2018.

² TRINDADE, Marcelo. Sandbagging e as Falsas Declarações em Alienações Empresariais. In: Direito Societário, Mercado de Capitais, Arbitragem e Outros Temas: Homenagem a Nelson Eizirik – Volume III. São Paulo/SP: Quartier Latin, 2020.

³ GREZZANA, Giacomo. Cláusula de Irrelevância da Ciência Prévia do Adquirente sobre Contingências da Sociedade-Alvo em Alienações de Participação Societária (Cláusula de Irrelevância da Ciência Prévia – “Sandbagging Provisions”). In: Revista de Direito das Sociedades e dos Valores Mobiliários. AZEVEDO, Erasmo Valladão; FRANÇA, Novaes; EIZIRICK, Nelson [Coords.] e OIOLI, Erik F.; AMARAL, José Romeu Garcia do [Orgs.]. São Paulo/SP: Almedina, 2019.

GORESCU, Carla Pavesi. Delimitação da Indenização em Operações de Fusões e Aquisições no Brasil. São Paulo/SP: Almedina, 2020.

5 KALANSKY, Daniel; SANCHEZ, Rafael Biondi. Sandbagging Clauses nas Operações de Fusões e Aquisições (M&A). In: Henrique Barbosa; Sérgio Botrel. (Org.). Novos Temas de Direito e Corporate Finance – v.1, 1ed. São Paulo/SP: Quartier Latin, 2019.

Autor(a):

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Amanda Batista Pedrosa

Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUC Minas.
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