Desde a popularização das Criptomoedas iniciou-se a discussão acerca da possibilidade de penhora desse criptoativo, na medida em que, embora o objeto mencionado seja taxado como “moeda”, ele não existe no campo físico, distanciando-se da moeda que tradicionalmente conhecemos que é regulada pelo Estado.
O bem não existe na sua forma física, mas existe na sua forma digital por meio de criptografia para resguardar a sua autenticidade, possibilitando assim as transações da moeda digital.
Como o criptoativo funciona judicialmente?
Por se tratar de moeda virtual sem qualquer vinculação com autoridades ou regulação própria, os Credores em processos judiciais encontram dificuldades para localizar o ativo e penhorá-lo.
A dificuldade decorre do fato de que os Criptoativos não são regulados ou supervisionados pelo Banco Central do Brasil, como se observa no Comunicado 31.379((Comunicado do Banco Central do Brasil)), que foi expedido pelo órgão em 2017, alertando a população sobre os riscos decorrentes das operações com moedas digitais.
Como se observa do Comunicado, as empresas que oferecem serviços vinculados a Criptoativos, nomeadas como “Exchange de criptoativo”((Conceito do inciso II do artigo 5° da Instrução Normativa RFB Nº 1888.)), não são obrigadas a cumprir qualquer norma regulatória e não podem ser supervisionadas pelo Banco Central do Brasil.
Exchange de criptoativo
A Exchange de criptoativo são empresas que fornecem plataformas digitais para a transação de moedas virtuais e o serviço de guarda e custódia do Criptoativo, concedendo segurança aos seus clientes.
Por outro lado, o sistema responsável pela busca de ativos, denominado SISBAJUD (Sistema de Busca de Ativos do Poder Judiciário), que é oriundo de um acordo celebrado entre o Banco Central do Brasil, o Conselho Nacional de Justiça e a Procuradoria da Fazenda Nacional, não alcança e nem tão pouco consegue pesquisar a existência de Criptoativo, visto que a Exchange de criptoativo não se submete às normas BCB.
Neste caso, a única alternativa do credor é pedir ao Magistrado que envie um ofício para as empresas de Exchange de criptoativo, com o objetivo de que elas informem a existência do ativo sob a sua custódia, permitindo posteriormente a penhora do Criptoativo.
Existindo o ativo, recomenda-se que o Credor solicite nova ordem judicial para que a Exchange de criptoativo promova a conversão em moeda nacional e depósito judicial, de acordo com o que dispõe os artigos 315 e 318 do Código Civil((Art. 315. As dívidas em dinheiro deverão ser pagas no vencimento, em moeda corrente e pelo valor nominal, salvo o disposto nos artigos subsequentes.
Art. 318. São nulas as convenções de pagamento em ouro ou em moeda estrangeira, bem como para compensar a diferença entre o valor desta e o da moeda nacional, excetuados os casos previstos na legislação especial.)).
Ofício para pesquisa de existência dos Criptoativos
Sobre a possibilidade de expedição de ofício para pesquisa de existência dos Criptoativos junto as Exchange de criptoativo o Tribunal de Justiça de São Paulo tem se pronunciado de forma favorável:
“AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO MONITÓRIA – FASE DE CUMPRIMENTO DE SENTENÇA – EXPEDIÇÃO DE OFÍCIOS – MERCADO DE BITCOINS E MOEDAS VIRTUAIS – CABIMENTO – INTERESSE DO CREDOR – I – Decisão agravada que indeferiu a expedição de ofícios à ANAC e à Capitania dos Portos, bem como indeferiu o pedido de penhora de moedas virtuais – II – Execução que se realiza no interesse do credor – Art. 7979 do NCPC – Interesse público na prestação jurisdicional – Impossibilidade da parte em obter informações, em face da instituição somente atender à requisição judicial, sob pena de retirar-se a eficácia da tutela jurisdicional do Estado – III – Possibilidade de expedição de ofício às entidades custodiantes de criptomoedas indicadas pela exequente, uma vez que o Banco Central do Brasil não supervisiona tais instituições, de modo que eventuais ativos mantidos pelo devedor em moedas virtuais não são abrangidas pela pesquisa do sistema SISBAJUD – Comunicado nº 31.319/2017 do Banco Central do Brasil – III – Possibilidade, também, de expedição de ofícios à ANAC e à Capitania dos Portos, ante a impossibilidade da parte obter referidas informações – Expedição de ofícios determinada, bem como a penhora de eventuais valores e bens localizados – Precedentes deste E. Tribunal de Justiça, e desta C. 24ª Câmara de Direito Privado – Decisão reformada – Agravo provido”. (TJSP; Agravo de Instrumento 2078683-51.2022.8.26.0000; Relator (a): Salles Vieira; Órgão Julgador: 24ª Câmara de Direito Privado; Foro Regional III – Jabaquara – 1ª Vara Cível; Data do Julgamento: 27/05/2022; Data de Registro: 27/05/2022)”
Em algumas decisões é possível observar que os Desembargadores se pautaram no argumento de que o SISBAJUD não consegue localizar o criptoativo, permitindo assim a expedição dos ofícios para localizar o bem:
“AGRAVO DE INSTRUMENTO. Execução de título extrajudicial. Pedido de pesquisa de criptomoedas em nome do executado. Possibilidade de expedição de ofício às entidades custodiantes de criptomoedas indicadas pelo exequente, uma vez que o Banco Central do Brasil não supervisiona tais instituições, de modo que eventuais ativos mantidos pelo devedor em moedas virtuais não são abrangidos pela pesquisa do sistema SISBAJUD. Decisão reformada. Recurso provido.
(TJSP; Agravo de Instrumento 2286240-42.2021.8.26.0000; Relator (a): Régis Rodrigues Bonvicino; Órgão Julgador: 21ª Câmara de Direito Privado; Foro Central Cível – 19ª Vara Cível; Data do Julgamento: 17/05/2022; Data de Registro: 17/05/2022)”.
Pagamento de Débito judicial
Por outro lado, sobre o pagamento do débito judicial, ou seja, pagamento da dívida oriunda do processo, por meio da própria moeda de virtual, entende-se que não há qualquer empecilho, desde que o Credor aceite o ativo, concedendo quitação ao Devedor pelo valor da cotação do criptoativo na data da transferência de titularidade. Vale lembrar que a escolha é do Credor, nos termos do artigo 313 do Código Civil((Art. 313. O credor não é obrigado a receber prestação diversa da que lhe é devida, ainda que mais valiosa.)).
Embora ainda não seja explorada pela Jurisprudência, também não se descarta a hipótese de garantia do juízo nos Embargos à Execução a que se refere o §1° do artigo 919 do Código de Processo Civil, por meio de criptoativos, bem como não há qualquer impedimento ao pagamento dos honorários periciais, por meio de Moedas Virtuais, desde que seja aceito pelo Credor ou pelo Perito((Afinal a escolha é do credor conforme o artigo 313 do Código Civil.)).
Percebe-se que aos poucos o Judiciário está se adaptando a existência das Moedas Virtuais, mesmo que não seja possível pesquisar o ativo por meio dos sistemas de busca integrados, como é o caso dos Criptoativos, pois o objetivo é o encerramento de forma célere e eficiente dos processos judiciais.
O Portugal Vilela acompanha os debates sobre Criptoativos e já presta serviços de assessoria jurídica neste tema. Estamos à disposição para eventuais esclarecimentos.