Negociação Processual nos Contratos Empresariais

Negociação Processual nos Contratos Empresariais

O artigo 190 do Código de Processo Civil prevê a possibilidade da negociação processual, estipulando o seguinte: 

Art. 190. Versando o processo sobre direitos que admitam autocomposição, é lícito às partes plenamente capazes estipular mudanças no procedimento para ajustá-lo às especificidades da causa e convencionar sobre os seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, antes ou durante o processo.

Parágrafo único. De ofício ou a requerimento, o juiz controlará a validade das convenções previstas neste artigo, recusando-lhes aplicação somente nos casos de nulidade ou de inserção abusiva em contrato de adesão ou em que alguma parte se encontre em manifesta situação de vulnerabilidade.

Desse artigo, conclui-se que partes em paridade de recursos podem, dentro dos limites dos direitos disponíveis, negociar as regras do direito processual cível para adequá-lo melhor à situação fática que têm em mãos.

Esses ajustes podem se dar no curso do próprio processo ou pela convenção das partes, em contratos firmados anteriormente a qualquer litígio.

Nessa segunda hipótese, as partes signatárias de um contrato empresarial têm a oportunidade de incluir nos seus instrumentos cláusulas que podem fazer com que um processo judicial se torne mais adequado, específico e por vezes mais célere.

Porém, para entender melhor quais seriam os limites da negociação processual nos contratos empresariais, é necessário compreender quais direitos admitem a autocomposição e como tem sido no curso dos 7 anos de validade do Código de Processo Civil de 2015 (CPC) os parâmetros do controle de validade das convenções.

A autocomposição e os direitos disponíveis 

Negociação Processual nos Contratos Empresariais

A autocomposição é uma modalidade de resolução de conflitos em que as partes, sem a intervenção de um terceiro, têm a oportunidade de se posicionarem sobre seu litígio ou parte dele, podendo transigir e negociar a seu respeito.

Porém, o Estado é o detentor do monopólio da jurisdição e possuidor do poder para aplicação do direito em face dos conflitos que surgem na sociedade, por isso nem todos os direitos podem ser transigidos ou ser objeto da autocomposição.

São os chamados direitos indisponíveis, ou seja, aqueles que as partes não podem abrir mão, visto que são inalienáveis, irrenunciáveis e intransmissíveis.

Ocorre que, não foram definidos nos diplomas legais do país quais seriam tais direitos, de modo que a jurisprudência e a doutrina construíram o entendimento de que se trata dos direitos fundamentais do rol constitucional, que incluem a vida, liberdade, saúde, imagem e dignidade.

Assim, quando uma questão não abordar esses assuntos, ou seja, se tratar de um direito disponível, as partes podem submetê-la aos métodos autocompositivos e transigir no todo ou em parte.

Com isso, preenchido o primeiro requisito do artigo 190, ou seja, tratar do processo sobre direitos que admitem a autocomposição, é possível que as partes decidam sobre alguns aspectos do processo judicial, se esses aspectos também estiverem disponíveis.

Os parâmetros do controle de validade das convenções

Os parâmetros do controle de validade das convenções

O direito civil brasileiro permite que as partes pactuem livremente, dentro dos limites legais, sendo que as declarações de vontade das partes produzem os efeitos nos direitos processuais imediatamente, conforme diz o artigo 200, do CPC.

Porém, apesar dessa disposição, o Art. 190, em seu parágrafo primeiro determina que o juiz poderá controlar a validade das convenções, para recusar a aplicação em casos de nulidade ou abuso.

Tal nulidade ou abuso se configura justamente quando as partes tentam incluir em seus acordos cláusulas que dispusessem ou renunciassem sobre direitos processuais de reserva legal ou intransigíveis. Assim, temos que, não só o direito material que versa o processo, mas também os direitos processuais em jogo na negociação judicial devem ser de natureza disponível.

Além disso, as convenções não poderiam tratar daquilo que não está em sua esfera de poder, como por exemplo, as obrigações e prazos do poder judiciário, podendo tratar somente de ônus, poderes, faculdades e deveres processuais das partes e não do órgão jurisdicional.

Desse modo, a jurisprudência e a doutrina buscam entender quais seriam esses limites processuais que não poderiam ser ultrapassados na negociação processual, sob pena do juiz considerar nula a convenção feita.

É importante ressaltar que não existe ainda uma consolidação sobre o entendimento do que não poderia ser negociado, tendo em vista a carência de ações em que a negociação processual prévia é adotada.

O que temos atualmente são os enunciados formulados pelo Fórum Permanente de Processualistas Civis – FPPC e pelo Conselho da Justiça Federal.

Dentre os enunciados destaca-se o 19, o 20 e o 21 do FPPC:  

19. (art. 190) São admissíveis os seguintes negócios processuais, dentre outros: pacto de impenhorabilidade, acordo de ampliação de prazos das partes de qualquer natureza, acordo de rateio de despesas processuais, dispensa consensual de assistente técnico, acordo para retirar o efeito suspensivo de recurso15, acordo para não promover execução provisória; pacto de mediação ou conciliação extrajudicial prévia obrigatória, inclusive com a correlata previsão de exclusão da audiência de conciliação ou de mediação prevista no art. 334; pacto de exclusão contratual da audiência de conciliação ou de mediação prevista no art. 334; pacto de disponibilização prévia de documentação (pacto de disclosure), inclusive com estipulação de sanção negocial, sem prejuízo de medidas coercitivas, mandamentais, sub-rogatórias ou indutivas; previsão de meios alternativos de comunicação das partes entre si; acordo de produção antecipada de prova; a escolha consensual de depositário-administrador no caso do art. 866; convenção que permita a presença da parte contrária no decorrer da colheita de depoimento pessoal;

20. (art. 190) Não são admissíveis os seguintes negócios bilaterais, dentre outros: acordo para modificação da competência absoluta, acordo para supressão da primeira instância, acordo para afastar motivos de impedimento do juiz, acordo para criação de novas espécies recursais, acordo para ampliação das hipóteses de cabimento de recursos;

21. (art. 190) São admissíveis os seguintes negócios, dentre outros: acordo para realização de sustentação oral, acordo para ampliação do tempo de sustentação oral, julgamento antecipado do mérito convencional, convenção sobre prova, redução de prazos processuais;

Alguns negócios bilaterais não são admissíveis, por exemplo: acordo para modificação da competência absoluta, acordo para supressão da primeira instância, acordo para afastar motivos de impedimento do juiz, acordo para criação de novas espécies recursais e acordo para ampliação das hipóteses de cabimento de recursos

Assim, a doutrina já definiu certos parâmetros do que seria possível de se negociar processualmente. Porém, ainda não existe jurisprudência consolidada no assunto, em razão das poucas ações em que há a utilização de negócios mais elaborados.

Possibilidade de inclusão do negócio judicial nos contratos empresariais

Possibilidade de inclusão do negócio judicial nos contratos empresariais

Considerando que os limites ainda são pouco claros, é possível a inserção nos contratos empresariais, que tem partes plenamente capazes de certas cláusulas que têm como objetivo adequar o processo judicial aos seus objetivos.

Nesse sentido, seria possível que as partes, por exemplo, renunciassem ao direito recursal, concordando com a decisão em primeira instância, aumentando ou diminuindo os prazos para os atos processuais, inibindo partes da instrução, como a oitiva de testemunhas ou realizando perícia.

Concluindo, a negociação judicial processual se mostra como uma possibilidade para que as partes construam, antes da instauração de um litígio, certos limites procedimentais, que podem inclusive representar maior eficiência às demandas, gerando benefícios às partes envolvidas.


O Portugal Vilela Advogados conta com uma equipe especializada em Direito Empresarial e está à disposição para eventuais esclarecimentos.

Autor(a):

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Letícia Carvalho Franco

Bacharel em Direito e Especialista em Processo Civil e Métodos Alternativos de Resolução de Conflitos pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais e Pós-Graduanda em Mediação, Negociação e Resolução de Conflitos pela Universidade Católica Portuguesa do Porto.
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