Tributação de software: o direito a reboque da tecnologia

Tributação de software: o direito a reboque da tecnologia

Costuma-se dizer que o direito anda sempre a reboque da sociedade, já que são muitos os fatos cotidianos que demoram a receber correto tratamento legal, justamente em razão da rapidez da inovação, frente à necessária e, de certo modo, demorada, regulamentação legal da matéria. Caso típico é a tributação dos softwares, que após muitos anos de debate, recebeu nova análise pelo STF no julgamento das ADI’s 1.945/MT e 5.659/MG. E, ainda assim, não se pode dizer que a questão foi definitivamente resolvida. Basta verificar o placar apertado das decisões e o conteúdo de todos os votos, que possuem fundamentos bastante elaborados e pertinentes.

A tributação de softwares é discussão antiga

A tributação de softwares é discussão antiga

A discussão acerca de qual tributo incide sobre a comercialização de softwares, se o ISS, se o ICMS, é antiga. Já em 1998, o STF havia analisado esse tema. Ocorre que, naquela época, não existia a enorme gama de modelos de produtos e modalidades como há hoje. Atualmente, esses programas estão em celulares, computadores e até mesmo em eletrodomésticos, e são transferidos ao usuário por diversos meios e maneiras, sejam elas pagas, gratuitas, físicas, virtuais, por encomenda ou por código aberto.

Naquela oportunidade, discutia-se a incidência de ICMS sobre os chamados softwares de prateleira, que são programas veiculados em mídia físicas. Quem não se lembra de ir a lojas e comprar enormes caixas contendo jogos como The Sims ou Roller Coaster Tycoon, ou então variados programas antivírus? Ao julgar o tema, o STF consignou que o ICMS não poderia incidir sobre os softwares em si, pois os comerciantes não teriam os direitos de uso para transferência ao comprador, de modo que impossível a incidência do referido tributo. O ministro relator Sepúlveda Pertence equiparou didaticamente o vendedor do software a um vendedor de livros ou de discos, que não negocia os direitos intelectuais do autor, mas tão somente a sua obra materializada.

Atualmente, no entanto, as mídias físicas não existem mais e a complexidade da operação assumiu contornos complexos. Hoje é possível fazer o download de programas criados em qualquer lugar do mundo e hospedados em sites também localizados em diversos países. As fronteiras mercadológicas foram definitivamente abolidas, o que traz ainda mais desafios para o direito tributário.

Tributo incidente sobre os softwares

Tributo incidente sobre os softwares

Foi diante desse cenário que o STF, ao analisar as ADI’s de nº 1.945 e 5.659, decidiu, por apertada margem de votos, que o tributo incidente sobre os softwares é o ISSQN. Tendo como referência o contido na Lei Complementar nº 116, responsável por discriminar as hipóteses de incidência do ISSQN, o ministro Relator Dias Toffoli ressaltou que o “software é produto do engenho humano direcionado para o desenvolvimento de um programa de computador”. Seguindo este raciocínio concluiu-se que, mesmo havendo a transferência de um bem digital, trata-se de uma operação mista ou complexa que está consubstanciada essencialmente numa obrigação de fazer, para além daquela de dar, correspondente à entrega do produto. O voto condutor deixa claro que há nítido esforço intelectual na prestação dos serviços ao usuário, desde a confecção do software até o auxílio ao usuário acerca de suas funcionalidades e atualizações.

Neste parâmetro não se perde de vista, também, que o software é disponibilizado por meio de licenças, sejam elas gratuitas ou onerosas. Este este é um dos pontos fundamentais para afastar a tributação pelo ICMS, pois não há transferência de propriedade da mercadoria, mas apenas a transferência do direito ao seu uso. Logo, não há que se falar em ICMS, haja vista que o pressuposto básico para a sua incidência é a circulação jurídica da mercadoria, entendida como a transferência de propriedade de uma pessoa para outra, o que não ocorre no caso. Portanto, a licença é precária e corresponde ao direito de uso, mas não ao direito intelectual sobre aquele bem.

É importante ter uma equipe que entende do assunto

É importante ter uma equipe que entende do assunto

De todo modo, mesmo diante da suposta pacificação do tema pela Suprema Corte, há que se ter cuidado. O surgimento de várias modalidades de transferência de arquivo e até mesmo a possibilidade de venda do código fonte de determinado software pode eventualmente atrair novamente os olhos dos fiscos estaduais para a cobrança de ICMS. Tanto é que já foi cogitada a possibilidade de se considerar como transferência jurídica de mercadoria o mero registro do download no disco rígido do computador, o que não deixa de ser absurdo aos olhos do conceito jurídico de tradição de bens.

A divergência havida no julgamento do STF apenas reforça a múltipla interpretação dada ao tema, cuja gama tende a aumentar com o avanço cada vez mais rápido da tecnologia. As empresas, portanto, além de uma boa equipe de TI, devem ter assessoria jurídica competente no auxílio de operações envolvendo softwares, tendo em vista que a sua caracterização jurídica é fundamental para a definição do correto tributo a ser pago, em que pese certa segurança jurídica tenha advindo do entendimento firmado pelo STF.  


A equipe do Portugal Vilela – Direito de Negócios possui uma equipe experiente em direito tributário e pode auxiliar em possíveis questionamentos sobre softwares e outros materiais digitais. Qualquer dúvida estamos à disposição!

Autor(a):

Henrique Ratton Monteiro de Andrade

Henrique Ratton Monteiro de Andrade

Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG.
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