Em outubro de 2020, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça acolheu a questão de ordem proposta pela Ministra Nancy Andrighi, revisando a tese jurídica sobre a obrigação do devedor de quitar eventuais encargos decorrentes da mora, ainda que a execução tenha sido integral ou parcialmente garantida por depósito judicial.
Sabe-se que em processos com condenação de obrigação de pagar, após a decisão de mérito, inicia-se a fase de execução, na qual o devedor efetivamente realizará o pagamento ao credor de acordo com o julgamento proferido.
O problema surge quando uma condenação impõe ao devedor o pagamento de juros e correção monetária, gerando dúvida acerca do assunto: a partir do momento em que ele deposita o valor em juízo (integral ou parcial), extingue a obrigação do devedor nos limites da quantia depositada?
O Superior Tribunal de Justiça no julgamento do Recurso Especial 1.348.640 em 2014, havia fixado no Tema 677, à tese de que “na fase de execução, o depósito judicial do montante (integral ou parcial) da condenação extingue a obrigação do devedor, nos limites da quantia depositada”, ou seja, não incidirá mais juros de mora sobre o valor devido.
Em 2016, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça em razão de novo julgamento (Recurso Especial nº. 1.475.859), deu novos contornos à tese, definindo que a obrigação da instituição financeira depositária pelo pagamento dos juros e correção sobre valor depositado convive com a obrigação do devedor de pagar os consectários próprios da sua mora.
Tese fixada pela Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça no Tema 677
Sobre esse ponto, iniciou-se uma discussão em torno da remuneração aplicada sobre o valor depositado na conta judicial.
Isso porque a correção não seria suficiente para cobrir os critérios de atualização considerados corretos. Assim como também não seriam suficientes os encargos moratórios devidos, considerando o tempo entre a homologação dos cálculos feitos pelo juiz na execução e o efetivo levantamento do valor pelo credor, representando uma perda monetária para os credores.
A proposta de revisão foi feita a partir do levantamento de ordem pública apresentado pelo Ministro Paulo de Tarso Sanseverino no julgamento do Recurso Especial nº. 1.475.859, dando interpretação no sentido de que “o depósito judicial do valor da obrigação, com a consequente incidência de juros e correção monetária a cargo da instituição financeira depositária, isenta o devedor do pagamento dos encargos decorrentes da mora, previstos no título executivo judicial ou extrajudicial, independentemente da liberação da quantia ao credor”.
Um dos pilares da revisão refere-se ao termo “pagar”, utilizado no caput do artigo 523 do Código de Processo Civil: Qual deve ser considerada a data do pagamento? O momento do efetivo desembolso pelo devedor ou o dia do levantamento pelo credor?
Esse atual entendimento se fundamenta em duas premissas:
- Os juros moratórios, cujo responsável pelo pagamento é o devedor, possuem caráter punitivo e indenizatório, e por isso têm natureza jurídica distinta dos juros remuneratórios, pagos pelo banco que custodia o depósito judicial, como fruto da custódia.
- Quem efetua depósito judicial e insiste no manejo de defesas e recursos pratica ato contrário ao adimplemento da obrigação, logo, não cumprindo voluntariamente sua obrigação de pagamento, ficando sujeito aos juros moratórios.
Portanto, não há dúvidas de que cabia ao STJ revisar o Tema 677, mostrando que é essencial a necessidade de observância ao que dispõe os §3º e §4º do artigo 927 do Código de Processo Civil, especialmente no que diz respeito à necessidade de modulação dos efeitos de eventual mudança de entendimento, garantindo a proteção aos princípios da segurança jurídica, da confiança e da isonomia.
Em razão disso, reconheceu a incidência dos juros moratórios previstos no título judicial até a data efetiva da liberação do crédito em favor da recorrente, momento em que deverá ser deduzido do quanto é devido o saldo do depósito judicial e seus acréscimos pagos pela instituição financeira depositária.
Entendimentos divergem sobre o assunto
Embora o Superior Tribunal de Justiça tenha se pronunciado sobre o tema, alguns juristas ainda utilizam o entendimento consolidado nas Súmulas 179 e 271 do STJ, de que a responsabilidade pela correção e pagamento de juros pelo depósito judicial era da instituição financeira depositária e o depósito judicial impediria o cálculo dos juros e efeitos decorrentes da mora ao devedor.
Os argumentos favoráveis à manutenção da tese anteriormente fixada apontam que uma vez depositados os valores pelo devedor, ele já se encontra destituído do seu patrimônio, sendo indiferente os motivos pelos quais não é possível o levantamento do depósito judicial.
Essa assertiva favorece o manejo de defesas pelo devedor, prolongando as ações executivas e em alguns casos prejudicando o credor, que deixa de receber o rendimento dos juros de mora após o depósito, recebendo tempos depois um valor atualizado pelo banco custodiante, que é invariavelmente muito menor do que o valor devido se computados os juros de mora até efetiva satisfação da dívida.
Ainda que pareça uma questão simples, indo muitas vezes pela lógica do “depositou, pagou”, a verdade é que existe ampla discussão sobre os seus efeitos jurídicos, principalmente se o depósito judicial extingue sanções contratuais e também a correção monetária.
Esse entendimento refletirá na estratégia a ser adotada em cada caso, sendo certo que em alguns deles, poderá ser avaliada a substituição de penhora em dinheiro por indicação de outros bens, como permite o artigo 835 do Código de Processo Civil.
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