Na era digital em que vivemos, redes sociais, e-mails, arquivos e informações salvos em armazenamento de nuvem fazem parte do dia a dia de todos. Mas o que deve ser feito com toda essa propriedade digital no caso da morte de seu titular?
Por que devemos falar sobre Herança Digital?
A princípio pode parecer um assunto sem muita relevância, mas quando refletimos sobre as proporções que o patrimônio digital pode atingir, percebemos que é realmente válido discutir sobre o tema.
Por exemplo, seria interessante que um perfil no Instagram ou no Facebook continuasse ativo para sempre, mesmo após o óbito? Que as pessoas continuassem com a permissão de comentar nas páginas do titular e marcar seu perfil em postagens?
Ou que os herdeiros pudessem ter acesso às conversas de e-mail, mensagens ou de WhatsApp? Às fotos e arquivos salvos na nuvem?
Enquanto alguns podem não se importar com nenhuma dessas questões, outros podem se sentir incomodados com a invasão de privacidade, exposição de segredos ou acesso às fotos e informações íntimas.
Como o conceito de herança digital se encaixa legalmente?
A herança digital é um conceito novo e que ainda não possui regulamentação legal específica, mas os especialistas em Direito das Sucessões já têm trazido há algum tempo esta discussão à tona, porque cada vez mais os reflexos da era digital tomam grandes repercussões.
No que diz respeito ao patrimônio digital de conteúdo econômico, não há dúvida quanto à aplicação das regras gerais previstas no Código Civil, ou seja, bens como moedas digitais, obras intelectuais ou artísticas comercializáveis serão transmitidos aos herdeiros ou legatários, por sucessão legítima ou testamentária, de acordo com o caso concreto. Afinal, quando se trata de bens com expressão econômica, é natural que os sucessores se tornem seus novos titulares e que possam dispor deles.
Patrimônio digital de conteúdo sentimental
Já no que diz respeito ao patrimônio digital de conteúdo sentimental, afetivo ou que simplesmente diz respeito à vida privada de alguém, mas que não seja de expressão econômica, os tribunais brasileiros divergem sobre a licitude ou não da transmissão aos sucessores, sem que o dono do patrimônio tenha deixado instruções.
De um lado, há argumentos de que transmitir este patrimônio aos sucessores e permitir-lhes o acesso às contas de redes sociais, e-mails e nuvens de armazenamento violaria o direito à intimidade e privacidade e por isso não poderia ser feito. Em contrapartida, há também o argumento de que o acesso deve ser permitido às famílias porque não havendo regulamentação legal específica, deve-se observar as regras gerais do Direito Sucessório. Além disso, não tendo o falecido deixado instruções sobre o destino desses bens, seria aceitável que os sucessores avaliassem seu conteúdo e decidissem, inclusive, se as contas devem ser excluídas ou mantidas ativas.
Diante disso, se o futuro do patrimônio digital causa incômodo, é muito importante que a vontade do titular seja registrada quanto ao seu destino.
É possível, por exemplo, deixar um testamento, no qual além da divisão dos bens econômicos, também será possível dispor sobre o que deve ser feito com as contas de redes sociais, e-mails, mensagens e arquivos armazenados, já que conforme Art. 1.857, §2º, do Código Civil, não está restrito às questões puramente econômicas.
Quando o titular não quiser deixar testamento, a sugestão é buscar saber junto aos termos de uso de cada rede social se existe a possibilidade de registrar a sua vontade sobre o que deve ser feito com aquela conta. O Facebook e o Instagram, por exemplo, permitem que usuários indiquem um herdeiro que administrará a conta ou que escolham se o perfil deve ser excluído.
Codicilo: uma solução alternativa
Uma terceira opção seria deixar um codicilo, figura pouco conhecida pelos brasileiros, prevista no Art. 1.881, do Código Civil, que autoriza que uma pessoa disponha sobre bens que tenham pouco ou nenhum valor. É fundamental destacar que não há um entendimento específico sobre o tema no Poder Judiciário, mas pela interpretação da lei, entende-se que é possível utilizá-lo para deixar instruções sobre o que deve ser feito com a herança digital que não tenha valor econômico. Para tanto, deve-se registrar as instruções por escrito particular, com data e assinatura e, evidentemente, informar aos familiares a sua vontade, deixando o documento com alguém de confiança.
Por fim, é importante destacar que pensar na transmissão do patrimônio aos herdeiros é algo que precisa ser feito. No Brasil, infelizmente, este ainda é um assunto censurado, porque muitos o consideram imoral e mórbido demais para ser discutido. No entanto, a morte é uma certeza e planejar o que será feito com os bens adquiridos em vida, tenham ou não expressão econômica, pode evitar grandes problemas aos sucessores, além de garantir a vontade do titular.
O Portugal Vilela Advogados conta com uma equipe especializada em Planejamento Sucessório e está à disposição para eventuais esclarecimentos.