A legislação sobre o Regime Jurídico Emergencial e Transitório das relações jurídicas de Direito Privado durante a Pandemia do Coronavírus

As relações jurídicas de Direito Privado na Pandemia

O mundo foi acometido pela pandemia do coronavírus (Covid-19) e nesse contexto, surgiram dúvidas diversas sobre como lidar com as relações de Direito Privado vigentes, quer porque os serviços não podem mais ser prestados conforme pactuado originalmente, quer porque a crise econômico-financeiro que assolará o País, impede o cumprimento das obrigações em sua totalidade.

Em 10 de junho de 2020, foi publicada a Lei n.º 14.010/20, fruto do Projeto de Lei nº 1117/2020, criando no caput do art. 1°, um regime jurídico emergencial e transitório (RJET) destinado a reger as relações jurídicas de direito privado durante o período da pandemia do coronavírus (Covid-19) retroativo à data de 20 de março de 2020, quando se publicou o Decreto Legislativo nº 6 reconhecendo a ocorrência do estado de calamidade pública em âmbito nacional, de tal sorte que este seja termo inicial dos eventos derivados da pandemia (parágrafo único).

O Projeto de Lei partiu da premissa, metodologicamente correta, de adotar como princípios norteadores da regulação projetada: a manutenção da separação das relações jurídicas paritéticas (regidas, sobretudo, pelo Código Civil) e das assimétricas (reguladas pelo CDC e pela Lei n.º 8.245/91); a não alteração de leis vigentes (artigo 2° do Projeto de Lei nº. 1117/2020), face o caráter transitório de aplicação das normas projetadas, dado que estas, por vezes, suspendiam, temporariamente; a aplicação da legislação ordinária; e a circunscrição do Projeto de Lei a matérias de direito estritamente privado.

Com efeito, de acordo com a Norma publicada, os prazos prescricionais e decadenciais consideram-se impedidos ou suspensos, conforme o caso e salvo as hipóteses específicas de impedimento, suspensão e interrupção previstas no ordenamento jurídico nacional, a partir da entrada em vigor desta Lei até 30 de outubro de 2020.

Definiu para as pessoas jurídicas que a assembleia-geral, inclusive para os fins do art. 59 do Código Civil, poderá ser realizada por meios eletrônicos, independentemente de previsão nos atos constitutivos, mas impõe que se assegure a identificação do participante e a segurança do voto. Um ponto que merece destaque diz respeito ao veto do art. 4º que exclui a obrigatoriedade das pessoas jurídicas elencadas nos incisos I a III do art. 44 do Código Civil, obedecerem às restrições à realização de reuniões e assembleias presenciais.

Outro importante tema trazido no Projeto de Lei e ao final vetado, refere-se ao Capítulo IV (Resilição, Resolução e Revisão dos Contratos) que tratava da irretroatividade dos efeitos jurídicos nas execuções dos contratos, bem como da desconsideração de fatos imprevisíveis, o aumento da inflação, a variação cambial e a desvalorização ou a substituição do padrão monetário.

No campo das locações, vislumbra-se ausência total de qualquer norma, vetando-se a coibição de liminares sobre a desocupação de imóveis urbano nas ações de despejo e a suspensão dos alugueres, para aqueles que sofreram alteração econômico-financeira propostas inicialmente.

A Lei, entretanto, determina a suspensão da aplicação do art. 49 do Código de Defesa do Consumidor (o consumidor pode desistir do contrato, no prazo de 7 dias a contar de sua assinatura ou do ato de recebimento do produto, ou serviço) na hipótese de entrega domiciliar (delivery) de produtos perecíveis ou de consumo imediato e de medicamentos. Também suspendem os prazos de aquisição para a propriedade imobiliária ou mobiliária, nas diversas espécies de usucapião.

Em relação aos condomínios e edifícios, a Lei determina que a assembleia condominial, inclusive para os fins dos artigos 1.349 e 1.350 do Código Civil, e a respectiva votação poderão ocorrer, em caráter emergencial, até 30 de outubro de 2020, por meios virtuais, caso em que a manifestação de vontade de cada condômino será equiparada, para todos os efeitos jurídicos, à sua assinatura presencial. Rejeitou-se, contudo, dispositivo que atribuía poderes síndico para evitar o uso de áreas comuns por terceiros e a realização de eventos e reuniões, exceto para as hipóteses estritamente necessárias.

Destaca-se que no período de vigência da Lei, ficam sem eficácia os dispositivos que caracterizam infração da ordem econômica, em relação a todos os atos praticados ou enquanto durar o estado de calamidade pública.

A nova Lei institui também que até 30 de outubro de 2020, a prisão civil por dívida alimentícia, prevista no art. 528, § 3º e seguintes do Código de Processo Civil, deverá ser cumprida exclusivamente sob a modalidade domiciliar, sem prejuízo da exigibilidade das respectivas obrigações. Ainda suspende o prazo de 12 meses do CPC para que seja ultimado o processo de inventário e de partilha, caso iniciado antes de 1º de fevereiro de 2020.

Cumpre registrar ainda, que foram vetados os dispositivos que determinavam a empresas de transporte privado individual de passageiros a redução em 15% da fatia arrecadada em cada viagem e reduziam na mesma proporção os encargos e outorgas cobrados de taxistas e o artigo que autorizava a flexibilização do controle do peso de veículos nas estradas e ruas.

Nas disposições finais, não define um termo para encerramento da sua vigência, com eventual possibilidade de prorrogação e, altera a Lei nº. 13.709/2018, determinando que as sanções previstas na Lei Geral de Proteção de Dados só possam ser aplicadas a partir de 1º de agosto de 2021.

Autor(a):

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Milena de Almeida Costa Maia

Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito Milton Campos. Pós-graduada em Direito Processual pelo Instituto de Educação Continuada da PUC - Minas.
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