Quando se está diante de um processo de falência, sob a ótica da empresa é possível perceber que ela já sofre ali todas as consequências do devedor falido. A empresa se vê em um cenário de vencimento antecipado das dívidas, com o alcance de seus bens para pagamento dos credores.
De acordo com a legislação vigente, a responsabilização pelos débitos da empresa falida, no processo falimentar, não se estende aos sócios. Entretanto, o mundo dos negócios empresariais mostra algumas “engrenagens” pelas quais a empresa falida acaba prosseguindo com as suas atividades, através de outras pessoas jurídicas, o que pode ser considerado blindagem patrimonial fraudulenta em detrimento a credores.
Desconsideração da Personalidade jurídica
Nessa perspectiva, o Superior Tribunal de Justiça consolidou o entendimento de que é possível a desconsideração da personalidade jurídica (instituto processual para se estender a responsabilidade da sociedade devedora aos seus sócios ou administradores), de forma incidental no processo de falência, desde que verificada fraude e confusão patrimonial entre a empresa falida e outras pessoas jurídicas.
Segundo o Superior Tribunal de Justiça, caso seja constatada fraude e confusão patrimonial entre a falida e outras empresas, torna-se possível a desconsideração da personalidade jurídica incidental no processo de falência. Tal entendimento se fundamenta inclusive com o intuito de arrecadação de bens das sociedades envolvidas na fraude, em favor da massa falida.
Vale observar que a desconsideração da personalidade jurídica não tem a força de anular os negócios jurídicos celebrados pelas sociedades, porém os atos não surtem efeito em relação à massa falida. Como consequência, apesar da titularidade do domínio, pode haver a arrecadação de bens, como se pertencessem à empresa falida.
É essencial ressaltar que a responsabilização dos sócios já era prevista para outras relações jurídicas, como tributárias (Código Tributário Nacional) e de consumo (Código de Defesa do Consumidor). Nas relações civis, veio a regulamentação da desconsideração da personalidade jurídica pelo Código Civil.
Como mencionado, a jurisprudência caminhou para definir sobre a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica nas relações empresariais, especialmente no que se refere à sua possibilidade, de modo incidental, no processo de falência.
Lei de Falências e Recuperação Judicial
Nesse contexto, a nova Lei de Falências e Recuperação Judicial (nº 14.220/2021)((Art. 82-A. É vedada a extensão da falência ou de seus efeitos, no todo ou em parte, aos sócios de responsabilidade limitada, aos controladores e aos administradores da sociedade falida, admitida, contudo, a desconsideração da personalidade jurídica.
Parágrafo único. A desconsideração da personalidade jurídica da sociedade falida, para fins de responsabilização de terceiros, grupo, sócio ou administrador por obrigação desta, somente pode ser decretada pelo juízo falimentar com a observância do art. 50 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil) e dos arts. 133, 134, 135, 136 e 137 da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil) , não aplicada a suspensão de que trata o § 3º do art. 134 da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil) .”)), na linha do entendimento jurisprudencial consolidado, introduziu a previsão expressa da desconsideração da personalidade jurídica, mediante a responsabilização de terceiros e do grupo. É fundamental observar que não se trata da extensão dos efeitos da falência, mas sim da desconsideração, com eventual responsabilização das demais sociedades pelas dívidas da massa falida.
Não se trata da responsabilização do sócio que participou com o atingimento da insolvência pela falida. A legislação passou a admitir a responsabilização não apenas a qualquer sócio, mas agora também às pessoas jurídicas coligadas.
O que se vê é a responsabilização daquelas sociedades que acabam por exercer ou acobertar as atividades da falida, como uma burla ao pagamento de credores.
O comprometimento das sociedades coligadas independe do ajuizamento de uma ação judicial própria. O que se mensura é a existência de elementos que apontam para um grupo societário, com decisões empresariais que se cruzam, não havendo relevância se há participação no capital social da empresa falida.
A desconsideração da personalidade jurídica pode ser requerida a qualquer tempo, desde que preenchidos os seus requisitos. Por sua vez, a permissão da jurisprudência para a desconsideração da personalidade jurídica para se alcançar sociedades coligadas, está associada à constatação de fraude e confusão patrimonial.
Aspectos benéficos da desconsideração da personalidade jurídica
De toda forma, o instituto da desconsideração da personalidade jurídica acaba sendo até mais benéfico à manutenção da atividade empresária, na medida em que seu efeito consiste na eventual responsabilidade por débitos da falida. Não se trata de extensão da falência, que pode implicar na dissolução ou liquidação da sociedade.
A desconsideração da personalidade jurídica, nos moldes da legislação processual civil, permite o exercício do contraditório, já que a sociedade a que se atribui uma confusão patrimonial, pode apresentar sua defesa com processamento e julgamento do Juízo.
No entanto, é importante diferenciar a situação trazida neste texto, da constituição regular de um grupo societário, com empresas geridas dentro de um espírito integrado e em busca das melhores equações, sejam elas tributárias, patrimoniais ou sucessórias.
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