No dia 09 de agosto de 2021, foi sancionada e publicada a Lei Federal 14.193 (a “Lei do Clube Empresa”), instituindo a possibilidade de que os clubes de futebol adotem a modalidade societária empresarial e recebam investimentos de pessoas físicas, jurídicas e fundos de investimento. Proveniente do projeto de lei 5.516/2019, de autoria do senador Rodrigo Pacheco (MG), este provavelmente foi um dos projetos de natureza jurídica-empresarial mais aguardados pelo público em geral. Era de se esperar este tipo de comportamento social, afinal, só mesmo uma paixão nacional como o futebol teria a capacidade de fazer com que uma lei, comumente associada ao cargo de assunto burocrático e desinteressante, alcançasse status de interesse nacional.

Tal status decorre do entendimento comum de que a Lei do Clube Empresa representaria a salvação de vários times de futebol brasileiros, fortemente endividados e com baixa performance esportiva e econômica. Resta entender, no entanto, se a Lei será verdadeiramente capaz de representar a salvação para as agremiações esportivas.

Como funcionam os clubes de futebol juridicamente?

Como funcionam os times de futebol

Inicialmente, é importante destacar que a maioria dos clubes de futebol nacional adotam a forma jurídica de Associação sem Fins Econômicos, nos moldes do artigo 53 a 61 do Código Civil Brasileiro. As associações são caracterizadas pela união de pessoas para desenvolvimento de atividades que visem objetivo comum, desde que sem fins econômicos, ou seja, não está sujeito a distribuição de lucros e/ou dividendos entre seus associados. O patrimônio da associação não é passível de distribuição para seus associados e possuem tratamento fiscal diferenciado, uma vez que não sofrem tributação de Imposto de Renda e Contribuição Social sobre Lucro Líquido, por exemplo.

No entanto, é fundamental ressaltar que mesmo antes da promulgação da Lei do Clube Empresa, não existia qualquer impedimento para que os clubes de futebol adotassem regime jurídico diverso, típico das sociedades empresárias. Ou seja, sempre foi lícito que os clubes se estruturassem como Sociedades Limitadas ou Anônimas, por exemplo, o modelo do RedBull Bragantino, estruturado sob a forma de Sociedade Limitada. Se não havia impedimento antes, quais são as inovações da Lei  14.193 de 2021?

Inovações feitas pela Lei 14.193

Inovações da Lei 14.193

A lei instituiu um tipo societário próprio, denominado Sociedade Anônima do Futebol (a “SAF”), regulamentada por seus dispositivos característicos e subsidiariamente pelas disposições da Lei 6.404/76 (a “Lei das Sociedades por Ações” ou “LSA”). A SAF se configura, em tese, como sociedade anônima que tem por objeto social a atividade principal de prática do futebol, feminino e masculino, em competição profissional (Lei 14.193 de 2021. Artigo 1º).

A SAF possui regras típicas de Governança Corporativa, de modo que seu Conselho de Administração e Conselho Fiscal são órgãos de existência obrigatória e permanente, estabelecendo vedações expressas em detrimento de determinadas pessoas para exercício dos cargos administrativos. Todas as vedações são no sentido de garantir que as mesmas pessoas não administrem mais de uma SAF no território nacional, privilegiando o fair play esportivo.

A lei também trouxe a opção de 2 sistemas de quitação de obrigações: por meio do regime centralizado de execuções ou de recuperação judicial/ extrajudicial, comum às demais sociedades empresárias (Lei 11.101/2001). A SAF previu a possibilidade de emissão de valor mobiliário próprio, a Debênture do Futebol (“Debêntures-Fut”) com características específicas.

No entanto, talvez a norma mais aguardada e festejada pelos entusiastas e dirigentes está no artigo 9º da Lei do Clube empresa:

A Sociedade Anônima do Futebol não responde pelas obrigações do clube ou pessoa jurídica original que a constituiu, anteriores ou posteriores à data de sua constituição, exceto quanto às atividades específicas do seu objeto social…”.

Um dos pontos mais cruciais da norma é de que a SAF não será responsável pelas dívidas da Associação, criando-se a possibilidade deste novo ente poder exercer as atividades de futebol sem se preocupar com dívidas anteriores. É evidente que a própria norma ressalta a hipótese de dívidas do futebol (exceto quanto às atividades específicas do seu objeto social, mas mesmo assim, ela é capaz de aliviar a gestão esportiva de vários clubes que pretendem se aventurar pela inovação societária.

Contudo, não restam dúvidas de que os tribunais pátrios irão dar destaque às divergências interpretativas deste dispositivo, seja no sentido de alargar a sucessão empresarial por dívidas, seja no sentido de restringi-las. Sem falar nas divergências vindas dos benefícios tributários, que antes eram vetados pelo poder executivo, mas com vetos repelidos pelo congresso nacional.

O mercado brasileiro dá sinais de que a SAF foi bem recebida, já que antes mesmo de sua promulgação, vários clubes davam sinais externos de que pretendiam aderir à nova modalidade jurídica e, assim, captar investimentos externos para o futebol, atividade que é considerada rentável. Torcedores também estão ansiosos pela adesão, confiando no tipo societário para também serem donos de seus clubes do coração – caso venham a negociar suas ações no mercado de valores mobiliários, como já é praticado na Europa – e confiando na recepção de generosas quantias vindas do exterior. 

Além da dúvida de interpretação originária do art. 9º da Lei do Clube Empresa, várias outras já se projetam no cenário jurídico:

  1. Se apenas a SAF pode se valer dos benefícios da Lei 11.101/2001;
  2. Se o clube empresa estruturado sob a forma de limitada faria jus aos benefícios da Lei 14.193/2021;
  3. Se permite constituir a SAF, considerando-se a existência de uma pessoa jurídica original, por meio de operações societárias diversas da cisão ou transformação.

O Portugal Vilela acompanha os debates sobre a SAF e Clube-Empresa há bastante tempo e já presta serviços de assessoria jurídica neste tema para players nacionais. Não há dúvidas de que a nova legislação, com todos os pormenores, contribuirá para um ambiente mais profissional na gestão de futebol. Nos resta torcer!

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